• Sábado, 20 Dezembro 2025

Obras destroem galeria de arte urbana que combateu estigmas em bairro de Loures

A galeria de arte pública que há onze anos ajudou a combater estigmas na Quinta do Mocho, em Loures, foi destruída devido a obras de reabilitação consideradas “inevitáveis”, deixando no bairro um sentimento de tristeza entre os moradores.

O cantor jamaicano Bob Marley, crianças africanas, um mocho, uma girafa com um pijama da Minnie, personagem da Disney, e uma cegonha gigante eram algumas das representações que se podiam vislumbrar nas fachadas dos prédios da Quinta do Mocho, um bairro localizado na cidade de Sacavém, concelho de Loures.

Esta galeria de arte urbana a céu aberto nasceu em 2014, impulsionada pela iniciativa “O Bairro i o Mundo”, e rapidamente encheu de orgulho os moradores, despertando também a curiosidade de muitos visitantes, que outrora evitavam passar dentro do bairro, rotulado de “problemático”.

Contudo, na sequência de obras de reabilitação do edificado, que decorrem na Quinta do Mocho desde 2023, levadas a cabo pela Câmara Municipal de Loures, centenas de murais foram apagados.

A situação “deixou bastante tristes” os moradores daquele bairro, que viam naquela galeria de arte urbana “um motivo de orgulho e de pertença”.

Em resposta enviada à Lusa, fonte da Câmara Municipal de Loures, do distrito de Lisboa, explicou que esta intervenção na Quinta do Mocho (bairro designado formalmente como Terraços da Ponte) permite reabilitar 680 fogos, “tratando problemas estruturais graves para garantir maior segurança, conforto e eficiência energética”.

“Tornou-se inevitável intervir nas fachadas onde estavam as pinturas. Era a única forma de assegurar a qualidade e a durabilidade da requalificação. Com o passar dos anos e o desgaste natural das infraestruturas, já era esperado que, para devolver dignidade ao edificado, fosse necessário atuar de forma profunda, incluindo nas fachadas”, ressalvou a autarquia.

Apesar de compreender a necessidade de reabilitar os fogos do bairro, o ativista Kedy Santos, morador e antigo guia da galeria de arte urbana da Quinta do Mocho, critica a forma como este processo foi conduzido, nomeadamente a ausência de diálogo da Câmara de Loures, presidida por Ricardo Leão (PS), com os moradores.

“Um dos motivos prende-se com a facilidade que Câmara está a ter agora com os despejos [alusão aos despejos no bairro do Talude] e também com os atropelos à dignidade humana. O bairro está hoje um lugar mais afável e a Câmara sente-se no direito de exercer alguns abusos e incoerências lá no bairro”, criticou.

Segundo Kedy Santos, a arte tinha uma função central na imagem pública e na autoestima da comunidade.

“A arte era apenas um acessório, mas, do ponto de vista da visibilidade externa, a galeria era um fator de impacto e também de mudança a nível de introspeção”, referiu.

O ativista lembrou, ainda, que a galeria “foi a maior do país e a mais funcional do ponto de vista da vida e da integração de uma comunidade que, no passado foi muito assolada por abandonos das instituições”.

“A arte e a cultura tinham aqui um veículo muito impactante para se quebrarem esses muros invisíveis que existiam e que agora surgem de uma forma muito mais vinculativa”, lamentou.

A ideia é partilhada por Maria Eugénia Coelho, ex-vereadora da Educação na Câmara de Loures (2013-2018), na altura uma das impulsionadoras do projeto.

“Cada um daqueles murais tinha um significado especial para aquelas pessoas. Foram para isso que eles foram produzidos”, afirmou, admitindo que arte urbana tem uma natureza “efémera”, mas defendendo que “deveria ter sido feito de outra forma”.

Recordando o processo que levou à edificação da arte pública da Quinta do Mocho, a antiga autarca explicou que o objetivo central foi “reconstruir o orgulho local”.

“O objetivo primeiro era fazer com que as pessoas não se envergonhassem do sítio onde viviam e dessem uma imagem positiva daquele bairro”, apontou.

Na resposta enviada à Lusa, fonte da Câmara de Loures assegurou que o município “mantém toda a abertura para continuar a acolher projetos de arte urbana no bairro, tal como sempre fez”.

“Estas iniciativas serão avaliadas e planeadas em articulação com os artistas e com a comunidade, em locais apropriados e visitáveis, depois de concluída esta fase de obras e outras intervenções já previstas para a zona”, sublinha a autarquia de Loures.

A galeria de arte pública da Quinta do Mocho fazia parte desde 2016 do projeto Loures Arte Pública da Câmara Municipal, com objetivo de promover a arte urbana no concelho.

Durante o tempo de atividade contribuíram para esta galeria artistas nacionais como Vhils, Bordalo II, Edis One, Tâmara Alves e internacionais como Astro Odv (França), Eva Bracamontes (México), Guido Palmadessa (Argentina) e Vespa (Brasil).

Lusa

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